quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

MEU PRÓPRIO LAR, UM MARTÍRIO

Este texto foi criado a partir de uma história com dois pontos de vistas de personagens, um homem e uma mulher. Aqui vai o desespero de um homem dilacerado...
Aquilo era o prenúncio do mal. Meu coração cabia numa caixa de fósforos. Meu corpo todo estava dolorido. A coluna parecia um caco de vidro estilhaçado. As pernas não obedeciam aos meus comandos. Até meus músculos e minha pele desejavam alimento. Sim, alimento mesmo. Maria é o alimento da minha vida, do meu espírito.
Sentado na cozinha do meu apartamento, encostado na cerâmica fria, passei a mão na cabeça com a sensação de que ela ia explodir. Olhei para os lados, vi o par de havaianas que ela tanto gostava, aquele bendito par de sandálias que comprei em plena segunda chuvosa, faltando dez minutos para a loja fechar. Elevo meu olhar, e no varal suspenso da área de serviço, um biquíni listrado que ela esquecera antes de ir. Apoiei a cabeça na mão esquerda em cima dos joelhos e pus-me aos prantos, feito um moleque querendo o peito da mãe.
Uma mulher como Maria... Precisava ficar de olho. Eu tinha consciência disso, afinal ela está no auge de seus vinte e poucos anos e eu, um simples coroa. O amor tem dessas coisas. Coisas estas que não se explicam, nós vivíamos uma eterna busca de um casal apaixonado.
No meu quarto, a mesma roupa de cama que deitei com Maria pela última vez. O edredom desbotado, os travesseiros que tanto brigávamos para ver qual era o mais alto. No criado-mudo, uma fotografia nossa. O apartamento era repleto delas com nós dois. Ainda na cabeceira, um par de brincos e uma presilha de cabelo transparente. Os cabelos negros e lisos de Maria tinham um aroma de jasmim e esse aroma ainda estava lá, intacto, no meu quarto, nas minhas roupas, no meu travesseiro...
Na sala, o sofá. Ah! As minhas noites, deitado nele, ao assistir tevê, eu ainda escutava voz doce de Maria, quando limpava meus ouvidos. Pegava o cotonete, umedecia com perfume, me persuadia enquanto eu assistia à televisão e começava o ritual de limpeza. Todo domingo era sagrado. Eu parecia um cachorrinho de barriga para cima, pedindo carinho, naquele sofá-cama verde. Maria ainda cortava minhas unhas dos pés e das mãos e fazia careta, achando que doía, ao estalar do alicate de unhas. E eu completamente bambo, somente por ter seus dedos macios tocando levemente em meus pés. Para mim, aquilo não era só uma massagem no corpo, e sim em todo o espírito. A minha vontade era de perfurar à garfadas aquele sofá-cama, local em que tantas vezes afaguei e enrosquei meu corpo no dela... Meu estômago amargava de tanta tristeza.
Ainda na sala de estar, do lado direito do sofá, uma estante amarela texturizada em decapê comportava todos os troféus, placas e medalhas que coleciono da minha carreira profissional. Mas entre eles, mais fotografias. De Maria, de nós dois... Ela estava em toda parte. Suas fotos, presilhas, sandálias, biquíni, calçinhas, até o xampu, que eu sempre deixava para ela comprar.
No banheiro ainda pendurada no box, a toalha branca usada por Maria. Aproximo-me da toalha, cheiro-a e deslizo meu corpo desfalecido pela parede, com ela amassada entre minhas mãos. Não queria tirá-la nunca de lá. Na bancada de mármore vejo os batons, anéis e um protetor solar. Tudo em seu devido lugar, exatamente como ela deixou.
Na cozinha, em cima da pia, pratos, talheres e copos usados por nós, no domingo passado. Ela os tinha lavado. Minhas manhãs cortando verduras nos finais de semana para fazer o almoço, já não mais existiam. Eu levantava cedo aos sábados, deixava Maria dormindo, ia ao mercado, comprava frutas, verduras e camarões. Sem esquecer do doce de queijo de bolinha que ela se derretia com brilho nos olhos por ele. Ao abrir a porta do apartamento, eu colocava as sacolas em cima da mesa de jantar, em frente à cozinha, e lá vinha ela correndo feito uma criança sabendo que ia ganhar doce, ainda de babydol pulava em meus braços, enroscava os seus em meu pescoço e me abafava de beijos. Então eu apreciava ainda mais ser chef de cozinha, com uma anfitriã desta em minha casa... Eu sentia prazer em cozinhar, era um lazer.
Depois de uma semana que Maria resolveu dar um tempo, eu tento seguir minha vida sem ela. Sem ela passando protetor solar em mim, sem ela cortando minhas unhas, sem ela fazendo o sanduíche de queijo que só ela sabe fazer. Sem o corpo dela encaixado ao meu, sem o cheirinho dela, sem suas broncas e até suas crises de choro, sem a voz de neném dela ao pé do ouvido.
Entro no quarto, a cama vazia ainda a aguarda, caminho em direção ao corredor, na parede, um quadro gigante com nossa foto em preto e branco; no banheiro, a toalha branca com seu cheiro; sala de estar, o bendito sofá verde repleto de libido; na sala de jantar, a mesa com as sacolas de compras; na área de serviço, o biquíni de Maria. Na cozinha, suas peripécias, enquanto eu cozinhava. A casa que antes era dela, a Maria que mandava e desmandava, gritava, pulava, gerava vida em minha vida, hoje respira sem ela. Mas Maria voltará para minha proteção. Tenho ciência disso.

Um comentário:

  1. Que pereição Tiff!!!
    Tão perfeito quanto o soar do seu nome.
    Lindo.

    Parabéns

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